26 de abril de 1500, Domingo de Páscoa: a posse da terra

26 04 2009

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Primeira Missa no Brasil, 1948

Cândido Portinari (Brasil 1903- 1962)

Têmpera sobre tela, 266 x 598 cm

Coleção Particular

 

 

 

A importância primeira missa rezada em solo brasileiro é às vezes esquecida.  Talvez seja até mais importante do que a descoberta das terras brasileiras, porque a primeira missa tem o valor simbólico da tomada de posse.

 

Se não, vejamos:  de 22 a 26 de abril de 1500 os portugueses foram e voltaram de barquinhos para as caravelas e vice-versa, inúmeras vezes.  Ensaiaram uma comunicação gestual com os habitantes locais e uma troca de adornos.  Estabeleceram um mínimo de confiança entre estranhos.  Convencidos de que mal nenhum lhes chegaria por parte deste grupo de habitantes locais, os portugueses finalmente desembarcam, com sua religião, sua cultura.  Até então, a moradia, o lugar de estar, ainda estava limitado à área enclausurada das caravelas.  Como sabemos era Semana Santa.  E naquele tempo respeitada com muito mais restrições do que hoje.  Quando finalmente, chega o Domingo de Páscoa, já liberados dos limites instituídos pela crença, voltam-se os portugueses para a terra firme.  Trazem do mar, das caravelas, o mundo dos rituais religiosos, dos hábitos de vestir, comer, dormir europeus e os estabelecem em meio à floresta tropical, nas areias da costa brasileira.  É o ato maior de tomada posse da terra brasileira. E gestualmente comunicam aos índios que os circundam que de agora em diante “dividiremos o terreno”.

 

Para nosso prazer, coloco aqui a descrição da Primeira Missa, de acordo com Pero Vaz de Caminha.  

 

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À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela baía, perto da praia. Mas ninguém saiu em terra, por o Capitão o não querer, apesar de ninguém estar nela. Apenas saiu — ele com todos nós — em um ilhéu grande que está na baía, o qual, aquando baixamar, fica mui vazio. Com tudo está de todas as partes cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir, a não ser de barco ou a nado. Ali folgou ele, e todos nós, bem uma hora e meia. E pescaram lá, andando alguns marinheiros com um chinchorro; e mataram peixe miúdo, não muito. E depois volvemo-nos às naus, já bem noite.

 

Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.

 

Ali estava com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saíra de Belém, a qual esteve sempre bem alta, da parte do Evangelho.

 

Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação, da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio muito a propósito, e fez muita devoção.

 

Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos, como a de ontem, com seus arcos e setas, e andava folgando. E olhando-nos, sentaram. E depois de acabada a missa, quando nós sentados atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias — duas ou três que lá tinham — as quais não são feitas como as que eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar pé.

 

Acabada a pregação encaminhou-se o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcamos e fomos indo todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam, indo na dianteira, por ordem do Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhes o mar levara, para o entregar a eles. E nós todos trás dele, a distância de um tiro de pedra.

 

Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não os punham.

 

Andava lá um que falava muito aos outros, que se afastassem. Mas não já que a mim me parecesse que lhe tinham respeito ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas. Estava tinto de tintura vermelha pelos peitos e costas e pelos quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor. E a tintura era tão vermelha que a água lha não comia nem desfazia. Antes, quando saía da água, era mais vermelho. Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava no meio deles, sem implicarem nada com ele, e muito menos ainda pensavam em fazer-lhe mal. Apenas lhe davam cabaças d’água; e acenavam aos do esquife que saíssem em terra. Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão. E viemo-nos às naus, a comer, tangendo trombetas e gaitas, sem os mais constranger. E eles tornaram-se a sentar na praia, e assim por então ficaram.

 

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Carta de Pero Vaz de Caminha a El-rei D. Manoel I, 1500.


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Uma resposta

11 07 2022
Avatar de Lucas Pavanello Lucas Pavanello

A Primeira Missa do Brasil não foi de Páscoa e sim de “Pascoela” como se dizia naquele tempo. Ou seja era a Missa do Primeiro Domingo DEPOIS da Páscoa, também chamado “Domingo in Albis” ou “Domingo do Quasimodo”

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